Leite dispara e fica mais caro que combustível
Tecnologia
Publicado em 07/07/2022
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De repente, consumidores se deparam com um cenário de apreensão e vivem novo drama ao observar as prateleiras dos supermercados e padarias. Com aumentos superiores a 70% em diversas cidades de Minas Gerais nos últimos três meses, o leite e seus derivados encabeçam a lista dos produtos que mais pressionam a cesta básica das famílias.
Atualmente, o belo-horizontino pode encontrar uma caixinha de um litro de leite chegando a quase R$ 10. O valor médio está mais alto que um litro de gasolina ou diesel, que também acumulam reajustes.
Segundo o recente estudo da Fundação Ipead/UFMG, o litro do leite custou R$ 6,02 em junho, com alta de 38,7% no ano e de 43,40% nos últimos 12 meses na capital mineira. Para efeito de comparação, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) foi de 0,69% em junho, com alta de 5,65% no ano e de 12,04% nos últimos 12 meses.
As constantes altas do leite também elevaram assustadoramente os preços de uma infinidade de itens do supermercado: queijos, requeijões, leite em pó, leite fermentado, iogurtes, pães, bolos, manteigas, creme de leite e margarinas.
Pesquisa do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sócioeconômicas (Dieese) mostra que entre maio e junho o leite integral e a manteiga registraram aumento em junho com relação a maio. No valor do leite UHT a maior alta foi em Belo Horizonte (23,09%) e no caso da manteiga o maior aumento foi em Campo Grande (5,69%).
Em 12 meses, todas as cidades apresentaram acréscimo de preço nos dois produtos. Para o leite UHT, as maiores variações acumuladas foram registradas em Belo Horizonte (48,89%), Florianópolis (46,70%) e Porto Alegre (44,55%).
O site de pesquisas Mercado Mineiro registrou variações entre R$ 63% e R$ 76% de algumas marcas de leite em comparação com março. Por sua vez, o queijo (Minas e mussarela) teve reajustes entre 19,45% e 53,49% no mesmo período. O queijo Minas mais caro custa R$ 79,90 em supermercados onde a pesquisa foi realizada. Nas periferias, porém, o produto tem novo reajuste, com valores que chegam a R$ 90 ou até R$ 100 por quilo. O leite em pó teve aumentos entre 22,42% e 48,02% nos últimos três meses, dependendo da marca.
“Pelo que temos informação do mercado, o custo de produção tem sido maior. O período seco já é desafiador e tradicionalmente o preço do leite já tem elevação. Encontrávamos o litro a R$ 2,99 ou R$ 3,99 e passar para R$ 4,99 já era um escândalo para o consumidor. Mas o mundo mudou completamente, em virtude da elevação do custo para alimentar o gado. O diesel, os insumos do campo e a energia elétrica contribuíram para essa elevação”, analisa o economista Feliciano Abreu, coordenador do Mercado Mineiro.
Segundo ele, os consumidores são prejudicados pelas estratégias de algumas cooperativas, que diminuem a oferta de leite para o comércio: “O produtor e o consumidor são os mais ‘fracos’ na cadeia. O produtor fica desanimado, recebe pouco e com custo alto. Do outro lado, o consumidor não tem condição de comprar o leite que nem é aquele que o produtor vende. Nesse período, algumas cooperativas notam a falta de oferta do leite e focam apenas nos derivados, porque o valor agregado é maior. Elas ganham mais num queijo ou numa manteiga do que vender o leite avulso”.
A inflação do leite leva as famílias a um sentimento de desolação. Desempregada desde o ano passado, Samira Rodrigues, de 29 anos, precisa fazer contas para comprar leite para a filha Evelyn, de apenas 1 ano. Com os aumentos, ela praticamente deixou de consumir o produto para dar prioridade à criança. “Antigamente, comprava uma caixa com 12 leites a cada 15 dias. Agora, tenho de comprar de três a cinco litros no mesmo período. Tenho de adaptar, pois está tudo muito caro. Está difícil para todo mundo”.
A diarista Arquimeia Armando, de 49, vive drama semelhante. Para conseguir economizar e pagar as contas, ele tem deixado de comprar alguns produtos, inclusive o leite. “Antigamente, podíamos comprar várias caixas e o dinheiro do mês era suficiente. Agora, só podemos comprar quando temos dinheiro, o que tem sido cada vez mais difícil. É algo muito triste.”
Por sua vez, o aposentado José Ananias de Menezes, de 76, opta agora por novas opções no café da manhã no lugar do leite. “Passei a tomar café puro em vez do café com leite. Mas nem isso reduz a conta do mês, porque o café e o açúcar também encareceram. Espero que tudo possa melhorar nos próximos meses. Desse jeito, não dá.”
No comércio, a disparada do leite também é vista com muito pessimismo, já que é praticamente impossível repassar os constantes reajustes para o cliente. “A insatisfação é total, porque o aumento é exorbitante. Nossos fornecedores nos comunicam toda semana que há novo reajuste. Temos de colocar o mínimo possível desse reajuste para o consumidor. Trabalhamos com a margem bem baixa. Para o empresário, também está difícil. Precisamos de alguma solução, pois não vamos suportar por muito tempo”, diz Markireny Gonçalves Ferreira, proprietária de uma padaria no Alto Vera Cruz, Região Leste de BH.
O produtor rural obteve ligeiro reajuste do leite que vende às cooperativas, mas insuficientes para cobrir os prejuízos. De acordo com a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), o litro de leite vendido pelos produtores mineiros atingiu o valor de R$ 2,70 em junho, um pequeno aumento de 5,05% no comparativo com maio. Em contrapartida, o custo operacional da produção no campo aumentou 16,6% no comparativo entre maio do ano passado com o mesmo período de 2022.
Segundo o analista de gerência do agronegócio da Faemg, Alexandre Gonzaga, os fatores econômicos contribuíram para a queda da produção de leite no campo, o que tem inferência nos preços do mercado – atualmente, Minas Gerais produz, em média, 9 bilhões de litros por ano. “Os produtores estão encontrando sucessivos aumentos ao preço do leite. A situação melhorou um pouco. Para não ficar com a capacidade ociosa, as indústrias de laticínios estão competindo de forma acirrada pelo leite do produtor nos últimos tempos. O leite spot, que é o formato cru comercializado pelas indústrias, está sendo vendido a R$ 4,36. É um retrato de como está acirrada a briga das indústrias pelo leite do produtor. Nesse contexto, os produtores diminuíram os investimentos nas fazendas, o que reduziu também a capacidade de produção de leite”, afirma.